O lançamento do Plano Nacional de Política Regulatória no fim de 2022 foi o passo mais recente dado pelo Brasil no processo de adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O documento criado pela Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade (Sepec) do Ministério da Economia e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) é uma resposta à revisão por pares (peer review) feita pela organização sobre a política de regulação brasileira. No entanto, a secretaria responsável pela publicação foi extinta pelo governo atual, que ainda não se posicionou de forma oficial sobre a continuidade do processo de adesão à OCDE.
Ao analisar o funcionamento do ambiente regulatório brasileiro, a OCDE recomendou a implementação de 18 ações e produtos pelo país. Desses, nove estavam em finalização ou bem encaminhados em dezembro do ano passado. Dois estavam em desenvolvimento e outros sete com previsão de entrega futura, pelo extinto Ministério da Economia.
Para dar moldes à reforma regulatória, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro lançou o Plano Nacional de Política Regulatória, que detalha o sistema de regulação brasileiro e os atores que dele participam. O documento também apresenta as diretrizes da política regulatória no contexto federal, além de sinalizar aos reguladores subnacionais (estados e municípios) o que deve ser feito para melhorar o modelo atual.
Natasha Salinas, professora de direito da regulação na FGV Direito Rio, afirma que, embora o desejo antigo de entrar na OCDE tenha impulsionado a revisão do ambiente regulatório, principalmente no âmbito federal, o Brasil já vem fazendo o dever de casa há algum tempo. “O Brasil já está construindo uma política de qualidade regulatória independentemente da OCDE. Claro que muito motivado, muito impulsionado pela OCDE, mas se ele não entrar na OCDE, a política regulatória já está em processo de construção”.
Ela cita a Lei Geral das Agências (13.848 de 2019) e a Lei de Liberdade Econômica (13.874 de 2019), normas que obrigam todos os entes da administração pública federal a fazerem consultas públicas e análise de impacto regulatório (AIR) antes de criar alguma regulação que afete os seus respectivos setores, como empresas e consumidores.
Entusiasta da entrada do Brasil na OCDE, o deputado federal Domingos Sávio (PL-MG) ressalta que o país se prepara há anos para entrar no grupo. “Sem dúvida estamos mais perto. O Brasil passa por um processo de aprimoramento da sua legislação, temos consciência que ainda precisamos fazer reformas estruturantes, mas o Brasil avançou de maneira substancial desde o advento do Plano Real, verdade seja dita. Não começou agora”.
Brasil dá mais um passo para fazer parte da OCDE
Ambiente regulatório
Segundo o Censo de Reguladores de 2022, o Brasil tem mais de uma centena de entes com poder de regulação apenas na esfera federal. A especialista Natasha Salinas explica que é recente a figura das agências reguladoras no Brasil. Tudo começou com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) – responsável por regular o setor de telecomunicações –, criada em 1997. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) são outros exemplos no nível federal, que conta com 11 agências reguladoras, ao todo.
Há também dezenas de órgãos e autarquias federais que possuem competência regulatória. É o caso do Conselho Nacional do Meio Ambiente, o Conama, por exemplo, ou do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia, o Inmetro. Isso para não falar dos órgãos reguladores presentes nos estados, Distrito Federal e municípios.
O número elevado de entidades com poder de regulação preocupa quando o assunto é a qualidade da produção regulatória, diz Salinas. Como esses órgãos criam normas que têm impacto direto sobre as empresas e a atividade econômica, é preciso ter um ambiente de regulação bem ajustado, explica a professora da FGV Direito Rio.
“A ideia da OCDE, que defende uma política de melhoria da qualidade regulatória, é que toda regulação que for feita tenha qualidade. Não pode ser arbitrária, de modo que imponha custos excessivos para o regulado [as empresas do setor]. Ela tem que ser uma regulação moderada, bem feita, baseada em evidências científicas para você não impor ônus desnecessários”, explica.
O objetivo é que cada norma editada por um órgão regulador observe certos parâmetros de política regulatória, afirma a especialista.
No caminho certo
Natasha Salinas destaca três dos principais instrumentos de política regulatória defendidos pela OCDE. O primeiro deles é o chamado de stakeholder engagement, ou consulta a partes interessadas, no bom português. Na prática, é a ideia de ouvir, por meio de audiência pública, os agentes regulados, como as empresas, e também os consumidores, antes de criar alguma norma para determinado setor.
“Que seja uma consulta pública efetiva que engaje, que as pessoas de fato contribuam, porque a ideia que está por trás disso é que o regulado pode contribuir com a qualidade da norma, porque ele conhece às vezes mais que o regulador do assunto que está sendo regulado”, diz.
A Lei das Agências Reguladoras já obriga as 11 agências federais a fazerem consultas públicas. Já por meio do Acordo de Cooperação e Comércio com os Estados Unidos, o Brasil garantiu que até 2024 todos os demais órgãos e entidades administrativas federais passarão a fazer consultas junto aos regulados.
O desafio, segundo a especialista, é estender essa prática aos órgãos reguladores de estados e municípios, o que hoje não tem data para acontecer.
Outro instrumento defendido pela OCDE é a AIR. A análise de impacto regulatório é uma espécie de estudo que a agência ou órgão regulador faz para medir o custo-benefício em se adotar determinada norma. O Brasil, também no nível federal, já faz AIR, mas a organização recomendou ao país que a qualidade desses estudos seja aprimorada.
“A OCDE recomendou que os estudos de AIR fossem mais bem feitos, mas a tendência no Brasil, por enquanto, é de fazer estudos de AIR qualitativos e não quantitativos e, hoje, a administração pública federal ainda não está preparada. Tem algumas ilhas de servidores que sabem fazer análise de custo-benefício, que já estão preparados para isso, mas a maioria não está. Então, a ideia é promover capacitação”, aponta.
É preciso diminuir os casos em que se faz AIR apenas porque está na legislação, diz a especialista. “Hoje em dia, muitos deles são feitos só para cumprir tabela. O órgão regulador, por exemplo, tem uma tendência muito grande a regular independentemente do que o estudo diz. Se ele levasse a sério o estudo, às vezes a solução seria não regular ou fazer uma regulação mais branda, mas ele tem, muitas vezes, uma cultura regulatória mais intervencionista e acaba optando por regular independentemente”.
A OCDE também orienta que o país tenha um ou mais órgãos para supervisionar o sistema regulatório. No Brasil, a Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) tomou para si essa responsabilidade, como exposto no próprio Plano Nacional de Política Regulatória. No entanto, com a mudança de governo e extinção da pasta, ainda não está claro quem vai assumir esse papel de coordenar as ações de melhoria da qualidade regulatória, promover treinamentos e revisar as normas regulatórias ou estudos de impacto.